Em vez de ensino, shoppings e especulação

Geógrafo aponta: prefeitura de S.Paulo fecha escolas no centro e amplia segregação social, para alimentar especulação imobiliária

Por Bianca Cruz e Janaína Neres, em To no rumo

Morar no centro da cidade ou na periferia faz diferença na hora da prova ou do exame vestibular? A distância entre casa, trabalho e escola afeta nos estudos? As escolas que se situam próximas a museus, cinemas, bibliotecas e teatros estão em vantagem quando comparadas àquelas em que os únicos equipamentos culturais são elas mesmas? A especulação imobiliária na cidade afeta os direitos educativos de crianças e jovens?

Estas e outras questões são assuntos que mobilizam Gilberto Cunha Franca, doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). O pesquisador tem se dedicado a estudos que avaliam os impactos das lógicas de ocupação da cidade e seus efeitos na satisfação dos direitos educativos. Confira a entrevista na íntegra:

Em seus trabalhos, você tem defendido que o direito à educação vai além do direito de acessar escola. Explique melhor seu ponto de vista.

O acesso à escola é condição básica e que não foi realmente resolvida (principalmente no caso da pré-escola e do ensino superior). A escola é locus central da educação e do acesso ao conhecimento, é pressuposto para construir uma sociedade democrática, justa e igualitária. Mas o direito a educação vai muito além. A conquista do direito a educação de fato requer transformações internas e externas ao ambiente escolar. A questão interna mais importante refere-se à condição de trabalho do professor. Externamente, passa por diminuir a segregação e a exclusão das crianças, dos jovens e de suas famílias do espaço da cidade. O local da escola, o lugar onde os estudantes e suas famílias vivem e circulam tem muita relação com a qualidade da educação e com o direito à educação. Quanto mais o estudante acessa a cidade, os equipamentos de cultura, e conhece o universo que o cerca, mais entendimento ele tem inclusive sobre a importância da aprendizagem.

Então educação e cidade se relacionam? Há uma relação entre urbanização e direito educacional?

A urbanização envolve a concentração de pessoas, atividades econômicas, serviços, trabalho. Ela possibilita o convívio na diversidade. Por outro lado, falar de urbanização também é falar de processos de exclusão, segregação e remoção constante de pessoas para as chamadas “frentes de expansão da cidade” – que formam as periferias, a exemplo de São Paulo.  As pessoas são colocadas em lugares onde os aspectos positivos da cidade estão distantes, ou seja, são deslocadas para onde é rarefeita a diversidade, a rede de serviços e as oportunidades econômicas, culturais. E isso impacta seguramente nas desigualdades sociais e na desigualdade educacional.

No caso de São Paulo, a cidade oferece as mesmas condições educativas para todos os jovens? Se não, quais são as diferenças ou desigualdades?

Certamente não. São Paulo oferece condições adversas e completamente opostas para diferentes jovens. Os indicadores da Secretaria da Educação de fluxo escolar mostram que as chances de um estudante da escola pública da periferia terminar o ensino médio é duas ou três vezes menor do que a chances de um estudante de escola pública de área central da cidade. O mesmo se nota nos indicadores de desempenho. E quando se compara o fluxo e o desempenho médio da escola pública da periferia com o conjunto da escola particular da cidade, a diferença é absurda. Isso implicará em desigualdade de oportunidades no acesso à universidade e ao mercado de trabalho.

Nessa situação, a especulação imobiliária tem a ver com a falta de direito à educação?

O dinheiro que poderia ser destinado para educação, urbanização, cultura, é investido na especulação imobiliária, hoje, base mais importante da acumulação de riqueza no Brasil. O país paga mensalmente juros da dívida pública para bancos, fundos de investimento e pensão, que são justamente aqueles que mais investem no setor imobiliário na construção de shoppings, prédios residenciais e comerciais, imóveis com valorização altíssima. Por exemplo: no bairro de Perdizes a valorização foi de 50% em dois anos. Quem pode morar nesses lugares são as classes de renda mais elevada. Outra consequência é a manutenção de espaços vazios, pois muitas vezes nem mesmo a classe média consegue pagar essa moradia. Para a especulação imobiliária é melhor mantê-los vazios do que alugá-los por um preço mais baixo e desvalorizar seus ativos.

Quais as consequências desse poder da especulação imobiliária para a escola?

A consequência mais geral é a remoção e deslocamento constante das populações trabalhadoras de baixa renda. As escolas também são removidas, desde os anos 1990, e cada vez mais estão na lista de desapropriação e venda para o setor imobiliário. O prefeito Kassab, por exemplo, pretende vender um quarteirão inteiro onde há duas escolas e outros equipamentos públicos no Itaim Bibi.

Mas as escolas que fecham em São Paulo não estão situadas em bairros ricos?

Não exatamente, estão no eixo de valorização imobiliária. Por exemplo, a Escola Estadual Oswaldo Catalano, no Tatuapé, área que foi de moradia de operários, depois de classe média e nos anos 1990, entrou no eixo de valorização. Hoje, sofre pressão para sair dali por estar próxima a um shopping e a um metrô Tatuapé. Assim ocorreu com escolas da Lapa que foram fechadas. A escola Martim Francisco está num bairro de classe de renda mais alta, possui o metro quadrado mais caro de São Paulo. Lá, houve resistência de professores e estudantes, que eram de periferias próximas e não queriam abrir mão da escola. Como acontece em escolas de Pinheiros, Vila Madalena e Lapa, onde muitas mães e pais de alunos trabalham e trazem seus filhos para a escola do bairro do trabalho. O fechamento dessas escolas gera problemas para essas pessoas.

Você acha que a pressão que essas escolas sofrem abre possibilidade para que o governo invista mais na periferia?

A lógica de vender o terreno das escolas para investir na periferia fomenta a lógica da segregação, pois não entende o quanto o processo de urbanização atual está na base da desigualdade da cidade e das oportunidades. Acho a permanência dessas escolas é muito importante. As lutas pela melhoria da qualidade da educação e pela urbanização não estão separadas. As pessoas sabem o quanto sua vida pode ficar melhor quando ela consegue combinar o trabalho com a proximidade da escola, dos locais de lazer e as possibilidades de mobilidade.

O que é possível fazer para mudar essa situação de desigualdade de falta de acesso ao direito educacional? O que um jovem pode fazer?

Os jovens e a sociedade em geral tentam soluções. Por exemplo, a luta pelo passe livre, que foi muito forte no passado e ainda hoje resiste, é um exemplo. Circular na cidade custa caro e leva tempo, principalmente para quem mora longe. Mas, a mobilidade é fundamental e é um direito social. Há também o acesso aos cursinhos populares, geralmente procurados pelo jovem que está batalhando para melhor sua condição de vida. Mas o mais importante é que essa juventude conheça conexões que a una aos outros jovens da cidade e do país, que partilham da situação de exclusão e estão elaborando suas respostas para esse mundo desigual. Há jovens na periferia da França, que se rebelam porque são imigrantes e vivem em condições desiguais; no mundo árabe, há jovens que lutam por democracia e trabalho, em Nova York, no ocupe Wall Street, moças e rapazes se rebelam contra a concentração financeira e seu impacto restritivo nos gastos sociais. O conhecimento de que existem manifestações globais na sociedade protagonizada pela juventude alimenta a esperança de tranformação.

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Instalação de hortos florestais, artigo de Roberto Naime

Entre os argumentos que listam os impactos mais positivos das atividades econômicas de implantação de hortos florestais em geral vinculados a projetos de fábricas de celulose e papel, estão a criação de empregos ou geração de renda mais amplamente falando e a criação de fator gerador de impostos, cuja reversão para comunidades empobrecidas sempre são um fator de enorme atração destes projetos.

A questão é saber se o incremento de impostos nas regiões onde são implantados grandes projetos de silvicultura associados com indústrias de celulose e papel é suficiente para compensar eventuais recuperações de áreas degradadas que venham a se estabelecer em função de impactos nocivos aos ecossistemas.

Os impactos ambientais que requerem cuidados sobre os ecossistemas são inúmeros, mas entre eles predominam substituições de campos, florestas ou banhados por plantações florestais. Isto acaba implicando em impactos relevantes também sobre a biodiversidade, com expressiva redução da quantidade de espécies faunísticas em micro ou meso ecossistemas locais.

Estes impactos sempre podem ser atenuados com a implantação de corredores ecológicos, mas raramente são solucionados de forma permanente, eficaz ou satisfatória. A implantação e regularização de reservas naturais ou áreas de preservação também auxilia no conjunto das medidas, mas os maiores problemas se situam na disponibilidade de recursos hídricos, incluindo a interferência da redução da capacidade hídrica sobre a disponibilidade de alimentos, que se alterada influencia em muito a biodiversidade.

Muitas vezes a solução tanto para a disponibilidade de recursos hídricos, quanto para a manutenção da diversidade de alimento que interfere na biodiversidade da fauna é manejar as precipitações pluviométricas, induzindo maior taxa de infiltração do que de escoamento, já que não é possível interferir nas taxas de evapotranspiração que dependem mais de fatores climáticos.

Ainda não é comum na indústria madeireira em geral, e não apenas celulósica produzir através de integração com agricultores, da forma com que é feita a produção de aves e suínos. Esta seria uma prática que tornaria mais caros os custos de logística, mas certamente produziria menores impactos ambientais e estes seriam muito mais dispersos em áreas, muitas vezes se tornando insignificantes em magnitude.

Isto ainda teria uma outra grande vantagem. A integração com agricultores poderia auxiliar na manutenção de áreas de preservação florestal dentro de propriedades, integrar a silvicultura junto com a pecuária e a agricultura, tornando os ecossistemas de todas as naturezas muito menos suscetíveis a qualquer forma de impactação.

O fato de que os custos poderiam se tornar maiores com transportes ou outros fatores ficaria totalmente diluído numa economia ambiental que valorasse todos os fatores intervenientes e não apenas o valor da matéria prima madeira para a indústria da celulose.

Atualmente as grandes indústrias de celulose e papel, bem como os produtores de painéis de madeira tem as suas bases florestais consolidadas, restando aos demais setores que utilizam madeira, particularmente os setores moveleiro e siderúrgico, disputar a madeira restante num mercado pouco regulado e muito agressivo em todos os sentidos.

A grande idéia seria adotar o sistema de plantio integrado para a madeira, como forma de minimizar os impactos, potencializar a sinergia resultante de sistemas agro-florestais, criando ainda uma remuneração para os produtores de madeira diluída no tempo de maturação dos hortos florestais.

O setor deve se apropriar dos ganhos que rivalizam com taxas de retorno interno de investimentos próximas às taxas do setor financeiro e transformar este ganho num diferencial competitivo que pode ser obtido com a criação de um sistema de remuneração de agricultores ao longo da maturação das florestas e com o ganho intangível produzido pela implantação dos sistemas agro-florestais e auxílio na implantação de áreas de conservação de propriedades rurais.

Este ganho é praticamente imensurável em termos de economia ambiental holística. É difícil mensurar tudo que se pode obter de ganhos com a preservação maior de equilíbrio de ecossistemas.

Dr. Roberto Naime, colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

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A silvicultura, as indústrias moveleira e de celulose e os ecologistas, artigo de Roberto Naime*

As necessidades de fornecimento em fluxo contínuo da indústria moveleira e da indústria de celulose para papel determinam que estes setores tenham que investir e pesadamente na manutenção de hortos florestais e áreas de plantio conhecidas como silvicultura.

A princípio não parece que estas atividades tenham potencial de impactar tanto os ecossistemas naturais. Mas em realidade projetos de reflorestamento são bastante impactantes e por isso geram reações de toda natureza entre ecologistas.

As monoculturas de eucaliptos e pinus que são as duas espécies mais comuns nos grandes projetos de reflorestamento causam grandes impactos. O primeiro e mais óbvio é que a resistência de um ecossistema é a soma dos elementos que constituem este ecossistema.

Monoculturas de qualquer espécie, tanto vegetais quanto animais ou de qualquer natureza trazem o prejuízo de serem muito vulneráveis na medida em que representam uma só ou poucas espécies associadas.

Existem ainda muitos outros impactos associados a flora, fauna, recursos hídricos e a própria monocultura que está sendo desenvolvida que sofre impactos decorrentes da própria natureza do evento.

Ainda assim é preciso reconhecer que o principal impacto está na alteração dos ecossistemas, cuja complexidade e multifatorialidade dificultam as ações de mitigação e atenuação. Muitas vezes se deixa de agir na prevenção ou precaução porque é muito difícil discernir todas as relações que podem ser afetadas.

A implantação de monoculturas em atividades silvícolas associadas a pólos moveleiros ou celulósicos produz o que se chama de deserto verde, pois a monocultura de espécies exóticas interfere profundamente nos ecossistemas locais, alterando tanto a fauna quanto a flora e desarticulando a rede complexa de relações que define o ecossistema do local.

Existem casos comprovados de que a ação dos ventos acaba por disseminar a espécie exótica por áreas adjacentes à plantação da floresta manejada, com conseqüências difíceis de serem completamente avaliadas.

Não existe presença humana que não produza algum tipo de alteração nos meios físico e biológico, que juntamente com o antrópico constituem o meio ambiente. Nem em comunidades indígenas, onde é reconhecida a integração entre o homem e o meio natural, deixam de ocorrer impactos ambientais ainda que mitigados e muito minimizados.

As atividades de reflorestamento ou silvicultura, da forma como são conhecidas é ao mesmo tempo preservadora e predadora do meio ambiente. É predadora no momento que interfere nos ecossistemas locais de forma que nem sempre é compreendida em sua totalidade, alterando as relações locais naturais entre os múltiplos fatores que controlam a flora e a fauna.

Mas a questão é que ao agir desta forma, são preservadas outras áreas da ação impactante gerada pelas monoculturas da silvicultura. Portanto no fundo se trata de escolher áreas onde os ecossistemas são mais resistentes ou menos vulneráveis às ações predadoras desta atividade.

Áreas de encostas que são muito suscetíveis a ações de escorregamento quando não estão protegidas podem ser regiões preferenciais para instalação de grandes projetos de reflorestamento, ainda mais quando são áreas de encostas elevadas onde os níveis de profundidade dos lençóis freático ou subterrâneos são grandes.

Nestes casos, além de proteção contra instabilizações superficiais dos terrenos, sejam rochas ou solos, não vai haver alteração relevante nos níveis de disponibilidade dos recursos hídricos e os impactos serão minimizados adequadamente.

Mas é certo que este artigo não esgota o tema e que ainda haverão muitas discussões importantes e fundamentadas sobre os impactos ambientais gerados ou evitados pelas necessidades de reflorestamento impostas pelas indústrias moveleiras e celulósicas.

*Dr. Roberto Naime, colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 15/12/2011

Publicado originalmente em: A silvicultura, as indústrias moveleira e de celulose e os ecologistas, artigo de Roberto Naime | Portal EcoDebate.

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”Salvemos as sementes e os cultivos tradicionais”. Entrevista com Vandana Shiva

Vandana Shiva dirige o Centro para a Ciência, Tecnologia e Política dos Recursos Naturais de Dehradun, na Índia, e está entre as principais especialistas internacionais em ecologia social. Ativista, política e ambientalista, ganhou o Right Livelihood Award, o prêmio Nobel alternativo da Paz em 1993, e o City of Sydney Peace Prize em 2010. Ela escreveu inúmeros livros sobre as questões ambientais, alguns traduzidos ao italiano.

A reportagem é de Elisabetta Gatto, publicada na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 29-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

O que se entende pela expressão “salvar as sementes”?

Foi-nos dito repetidamente que, sem o uso de substâncias químicas, não teria sido garantida a segurança alimentar; que, sem a engenharia genética, não poderíamos ter enfrentado o problema da fome. Mas nem a primeira revolução verde das substâncias químicas, nem a segunda, baseada na engenharia genética, asseguraram os alimentos. Ao contrário, asseguraram bens. Os bens não alimentam as pessoas, mas sim o lucro.

O que devemos fazer é restituir aos alimentos a sua essência de fonte de nutrientes. O nosso trabalho mostrou que as sementes originais, polinizadas por mecanismos naturais, e os cultivos biológicos e ecológicos podem produzir de duas a três vezes os alimentos produzidos com a importação de sementes e de substâncias químicas. Isso foi vital para nós na Índia, porque essas importações estão levando centenas de milhares de agricultores ao suicídio.

Quando nasceu esse fenômeno?

Os suicídios em massa entre os agricultores começaram na Índia no final dos anos 1990. Atualmente, segundo as estimativas oficiais, eles superaram os 250 mil, muitos dos quais estão concentrados nas regiões algodoeiras, porque o algodão era uma cultura que gerava renda, e muitos agricultores estavam comprometidos com esse setor. Hoje, os agricultores que cultivam algodão passam fome.

A companhia Monsanto controla 95% do fornecimento de todas as sementes de algodão na Índia e 90% de todas as sementes geneticamente modificadas do mundo. Hoje, muitos Estados pedem que as culturas geneticamente modificadas não sejam mais produzidas, porque incrementaram o uso de pesticidas e de herbicidas, não conseguiram controlar as ervas daninhas e, o pior de tudo, criaram superervas daninhas e superinsetos, que se tornaram a principal ameaça na agricultura. Mas, antes ainda das sementes geneticamente modificadas, o monopólio das sementes é uma ameaça para a agricultura. É por isso que, com a nossa iniciativa “Navdanya”, estamos empenhados em salvar as sementes como nossos bens comuns: a nossa ideia é a de economias vivas em vez de economias baseadas no suicídio.

Qual é o seu desafio?

O sistema industrial, com a importação de substâncias químicas e sementes, usa dez vezes as calorias necessárias para produzir uma caloria de alimentos. Não podemos suportar esses desperdícios, porque estão se transformando em entropia, poluição, extinção das espécies, mudanças climáticas, esgotamento da água.

Cerca de 40% de todas as emissões de gases do efeito estufa provêm de uma agricultura que está envenenando a Terra. Cerca de 70% da biodiversidade agrícola foi forçada à extinção por causa das monoculturas da agricultura industrial. Cerca de 75% da água é desperdiçada e poluída para dissolver as substâncias químicos no solo, nas plantas e, portanto, nos alimentos. Através das escolhas na vida de todos os dias, perguntando-nos sobre qual alimento consumir, como ele foi produzido, de onde vem a água e como ela é distribuída, damos a nossa contribuição pessoal para uma economia vital.

Publicado originalmente em: ”Salvemos as sementes e os cultivos tradicionais”. Entrevista com Vandana Shiva – IHU.

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Comissão Pastoral da Terra (CPT) denuncia desapropriações forçadas no ‘Superporto’ de Açu, do grupo EBX

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou nota, no dia 09/12, contra o processo de desapropriação de agricultores no município de São João da Barra, norte do estado do Rio, onde está sendo construído um complexo industrial ligado ao Superporto de Açu, do grupo EBX, do empresário Eike Batista.

A CPT denunciou que um número que pode chegar a 1,5 mil famílias – nos distritos de Água Preta, Barra do Jacaré, Sabonete, Cazumbá, Campo da Praia, Bajuru, Quixaba, Azeitona, Capela São Pedro e Açu – estão sendo pressionadas a abandonarem suas casas.

A representante da CPT na região, Carolina de Cássia, disse que a vontade de quase todos moradores é permanecer na terra, onde se encontram há gerações, mas se sentem pressionados a saírem. “A obra está avançando de forma muito truculenta, tirando os agricultores e os ameaçando. Lá tem muitos idosos que moram há anos na região e estão adoecendo [com a situação]. Nós encontramos vários deles que entraram em processo de depressão e estão acamados”.

A empresa LLX, subsidiária da área de logística do grupo EBX, informou por sua assessoria que está investindo R$ 150 milhões no processo de desapropriação, inclusive com a construção de uma localidade batizada de Vila da Terra, para onde estão sendo levadas 90 famílias de pequenos agricultores, que tinham até dez hectares.

Segundo a LLX, as casas são dotadas de infraestrutura, móveis e aparelhos eletrônicos, incluindo televisão de tela plana. A dimensão mínima dos terrenos da Vila da Terra mede dois hectares, conforme a assessoria. A proposta de remoção já teria sido aceita por 38 famílias. Os demais proprietários, com terrenos acima dos dez hectares, serão desapropriados e receberão o valor correspondente por suas terras.

A LLX informou que são apenas 400 famílias a serem desapropriadas e ressaltou que todo o processo de desapropriação é responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) e se baseia no decreto estadual 41.915/2009, que prevê a desapropriação de um total de 7,2 mil hectares.

A representante da CPT informou que as famílias classificaram as condições na Vila da Terra como “favela rural”, pela proximidade entre as casas, pois elas estão acostumadas a viverem em terras mais amplas. Carolina ressaltou que já estão sendo mobilizadas instâncias jurídicas, como o Ministério Público Federal (MPF), para dar assessoria aos moradores.

Segundo ela, também chegaram à região neste final de semana representantes da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), para reforçar a luta contra a desapropriação. Segundo a CPT, as terras são férteis e não devem ser utilizadas para a construção de um complexo industrial.

O Porto do Açu é um dos mais ambiciosos projetos de Eike Batista, dotando a região de um porto moderno para grandes embarcações, que embarcariam minério de ferro produzido em Minas Gerais, por meio de um mineroduto com 525 quilômetros (km), além de outras cargas, totalizando 350 milhões de toneladas por ano. Na área próxima ao porto, Eike planeja instalar dezenas de empresas dos setores siderúrgico, metal-mecânico, armazenamento de petróleo, estaleiro, tecnologia da informação, além de uma usina termelétrica.

Reportagem de Vladimir Platonow, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 12/12/2011

Nota do EcoDebate: Leiam, abaixo, a íntegra da nota da Comissão Pastoral da Terra (CPT):

Mega obra impacta agricultores

A Coordenação Nacional da CPT vem a público denunciar a desapropriação das famílias das comunidades Água Preta, Barra do Jacaré, Sabonete, Cazumbá, Campo da Praia, Bajuru, Quixaba, Azeitona, Capela São Pedro e Açu, do 5º Distrito, do município de São João da Barra, RJ. Para darem lugar às obras do Complexo Industrial, ligado ao Superporto do Açu, do bilionário brasileiro, Eike Batista, as famílias destas comunidades são pressionadas a abandonarem suas áreas onde muitas delas nasceram e têm suas raízes mais profundas. Além de sofrerem agressões.

Mais uma vez o poder público apóia os interesses do capital que se sobrepõem aos interesses dos cidadãos.

O Superporto do Açu é um empreendimento logístico da empresa LLX. Trata-se do maior investimento em infraestrutura portuária das Américas. Sua construção teve início em outubro de 2007 e sua operação está prevista para o primeiro semestre de 2012. O empreendimento foi idealizado prevendo a integração com minas de minério de ferro de Minas Gerais, a ser transportado até o porto por um mineroduto de 525 km de extensão. A concepção do Superporto é o de um porto-indústria, desenvolvendo diversos empreendimentos em paralelo ao porto propriamente dito, como estaleiro, usinas termoelétricas, etc. Mais de 66 empresas demonstraram interesse em se instalar neste complexo industrial. Este megaempreendimento está sendo propagandeado como uma obra dentro das mais avançadas do mundo, e que vai ampliar imensamente a capacidade exportadora do Brasil.

Mas o que não é divulgado é que para a instalação de todo este complexo de empresas, vão ter que ser desalojadas familias de pescadores e de pequenos agricultores, que podem chegar a 1.500 famílias. A proposta do megaempreendimento foi abraçada pela prefeitura de São João da Barra e do estado do Rio de Janeiro. Um Decreto Estadual 41.915/2009, desapropria como de interesse público uma área de 7.200 hectares, através da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin), para dar espaço ao condomínio industrial previsto no projeto.

Todas as estratégias estão sendo usadas para retirar as famílias da área, entre compra de área, mudança de local, e outras. Algumas venderam suas propriedades para a Codin. Outras negociaram com a companhia sua transferência para a Vila da Terra, um projeto para alojar as famílias retiradas, mas não receberam até hoje a indenização combinada. Porém, um grupo significativo de famílias, em torno a 800, resistem na terra e nela querem permanecer, por isso sofrem todo tipo de pressão e de ameaças para deixarem suas áreas. Placas são fincadas nos sítios, cercas mudam os limites das propriedades, restingas são derrubadas. Como diz um camponês: “Seremos expulsos de nossa terra, querem arrancar nossa história de dentro da gente. Na mesma hora que entram derrubam tudo, cercam, não deixam vida ali, querem que esqueçamos tudo que vivemos aqui.”. A polícia tem sido muitas vezes arbitrária e truculenta. Contra os que ainda teimam em resistir há um mandado de despejo que pode ser executado a qualquer hora.

Diante disso, os agricultores têm realizado diversas manifestações, bloqueado a estrada de acesso às obras do superporto, participado de audiências públicas na tentativa de garantirem o direito a permanecer na terra.

Às famílias atingidas por este megaprojeto, a Coordenação Nacional da CPT quer expressar seu apoio. É uma luta das proporções da de Davi e Golias. Mas acreditem na força dos pequenos, da sua união e persistência.

Às autoridades, a quem interessa o chamado “desenvolvimento econômico” acima da vida, da cultura e da história das comunidades camponesas, queremos lembrar que, como na visão de Daniel, todos os impérios têm os pés de barro e podem ruir num instante e tornar “tudo como se fosse palha ao final da colheita” (Dn 2, 31-35). Quando o mundo todo se debate com as trágicas consequências do aquecimento global, e toma consciência da finitude dos bens naturais e da necessidade de preservá-los, nossos governantes ainda apostam em projetos e propostas alicerçadas em visões já caducas de um desenvolvimento ilimitado.

A agricultura familiar e camponesa que ajuda a manter o equilíbrio da vida deveria merecer todo o apoio e não ser jogada ao lixo da história. É hora de se adequar ao momento presente e repensar o modelo de desenvolvimento!

Goiânia, 9 de dezembro de 2011.

Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra

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População e consumo: onde está o problema? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Existem pessoas que colocam toda a culpa dos problemas do mundo no tamanho e no ritmo de incremento da população e consideram que o crescimento demográfico é o principal responsável pela reprodução da pobreza e pela degradação do meio ambiente.

Mas também existem outras pessoas que dizem exatamente o contrário e consideram que a população não é um problema, pois a culpa da pobreza se deve à concentração da renda e da propriedade, enquanto os maiores danos ao meio ambiente decorrem do impacto provocado pelo volume e crescimento do consumo, especialmente das parcelas mais afluentes da população.

Os ricos culpam os pobres pelos problemas da miséria e do meio ambiente. Os pobres devolvem os “insultos” e consideram que o padrão de vida e os privilégios dos ricos são os verdadeiros responsáveis pelo aumento da pobreza e da degradação ambiental.

Quem está com a razão? Os dois tipos de argumentos estão certos? Ou os dois estão errados?

Vejamos sinteticamente o debate sobre população e pobreza.

Os dados mostram que, ao longo da história, a grande maioria da população mundial era pobre e tinha uma esperança de vida média em torno dos 30 anos, situação que se manteve até a maior parte do século XIX. No Brasil, nesta época, as péssimas condições de saúde e educação da população em geral eram agravadas pela escravidão e a total falta de autonomia das mulheres (que não podiam votar, estavam subjugadas aos espaços privados e eram legalmente dependentes dos pais e/ou maridos).

Mas diversos avanços econômicos, médicos e sanitários possibilitaram a redução das taxas de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, na maior parte do mundo e também no Brasil. Com o maior número de filhos sobreviventes e vivendo vidas mais longas, as famílias passaram a limitar a quantidade de filhos nascidos vivos e investir mais na qualidade dos mesmos. Este processo conhecido como transição demográfica gera, inexoravelmente, uma mudança na estrutura etária que abre uma janela de oportunidade e cria um bônus demográfico que, se bem aproveitado, possibilita o combate à pobreza e o avanço de políticas para a melhoria da qualidade de vida da população.

Portanto, a transição da demográfica (de altas para baixas taxas de mortalidade e fecundidade) e o processo de redução da pobreza são dois fenômenos que se reforçam mutuamente. Neste sentido, podemos dizer que não é o crescimento populacional que gera as situações de miséria, mas, inegavelmente, uma redução no ritmo de crescimento demográfico ajuda no processo de saída das condições de pobreza.

Por outro lado, a falta de recursos educacionais e econômicos por parte das famílias e do Estado está correlacionada com os territórios com maiores taxas de fecundidade. Desta forma, alto crescimento populacional e carencia de recursos econômicos e culturais se somam e constituem o chamado fenômeno da “armadilha da pobreza”. Assim, nestes casos, a pobreza explica o alto crescimento populacional tanto quanto o alto crescimento populacional explica a pobreza. Romper com este círculo vicioso é o grande desafio colocado, por exemplo, pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados pela ONU, na Cúpula do Milênio, no ano 2000.

Agora vejamos sinteticamenente o debate sobre população e meio ambiente.

É muito fácil para um ser humano dizer, por exemplo, que “7 bilhões de habitantes não são um problema”. Mas qual seria a resposta se perguntássemos se a Terra está superpovoada para uma onça, um tigre, um elefante, um rinoceronte, um tamanduá ou um orangotango? E se perguntássemos para um cedro, um mogno, um jacarandá ou um pau-brasil? O que nos diria um sabiá, um bem-te-vi ou um pintassilgo?

Evidentemente, comparado com outras espécies, 7 bilhões de habitantes não é pouco, pois cada pessoa precisa de água, comida, casa, transporte, saúde, educação, lazer, etc. Tirando a água, as outras coisas não caem do céu. E embora exista muita água na Terra, a água potável é escassa e geograficamente mal distribuída. Pior, a humanidade está poluindo, danificando e sobre-utilizando as fontes limpas de água, no solo e no sub-solo.

O impacto das atividades antrópicas sobre a natureza já ultrapassou a capacidade de regeneração do Planeta. Do ponto de vista do aquecimento global, são os países ricos e com maior desenvolvimento industrial que mais emitiram e emitem gases do efeito estufa. Calcula-se que o segmento dos 13% mais abastados da população mundial seja responsável por 50% da emissão de carbono do mundo. Resolver este imbróglio é uma tarefa urgente.

Contudo, a população pobre do mundo e que pouco contribui para o aquecimento global tem outros impactos não desprezíveis sobre o meio ambiente. Por mais pobre que seja uma população ela precisa de água, comida, lenha e outros consumos básicos.

Por exemplo, a bacia hidrográfica do rio Nilo, abrangendo uma área de 3.349.000 km², já não dá conta de abastecer as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010 e deve chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas.

Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são cada vez mais graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do rio Nilo já não está suportando a população atual. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países. Também já existem multidões de deslocados ambientais e ecorefugiados decorrentes da deterioração das condições do solo, da seca, do desmatamento e das mudanças climáticas.

Por outro lado, a China, com 1,35 blhão de habitantes, está conseguindo retirar milhões de pessoas das situações de pobreza, embora enfrente, ao mesmo tempo, os problemas de falta de água, de desertificação, de poluição e de aumento acelerado da Pegada Ecológica. Para minorar este problemas o governo adota uma política autoritária de “filho único” e o país deve perder entre 500 e 600 milhões de habitantes entre 2030 e 2100.

Os demais povos querem emular a estratégia chinesa de produção em massa de bens e serviços, mas num quadro de crescimento da população como no Egito, Etiópia, Sudão, etc. Atualmente, mesmo que haja distribuição igualitária da renda e do consumo, em termos internacinais, a Pegada Ecológica já ultrapassou o uso de um planeta. Estamos consumindo mais de um planeta. Portanto, o mundo já sente as consequências do “sucesso” chinês e da busca desesperada das economias dos países em desenvolvimento em busca dos mesmos padrões de vida dos países desenvolvidos.

O fato é que o incremento do consumo, de um lado, e o aumento da população, de outro, estão contribuindo, mesmo que de forma diferenciada, para uma rápida degradação ambiental. Não existe consumo sem população e nem população sem consumo. Crescimento econômico e populacional ilimitado é uma equação impossível em um Planeta finito.

Por tudo isto, a próxima Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a Rio + 20, precisa lidar com uma agenda para o decrescimento da Pegada Ecológica, estabelecendo ações para reduzir o impacto do consumo humano sobre a natureza, mas sem omitir medidas que viabilizem, democraticamente, a estabilização da população mundial em um futuro próximo. A necessidade de uma mudança de rumo é urgente.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

*Publicado originalmente em: População e consumo: onde está o problema? artigo de José Eustáquio Diniz Alves | Portal EcoDebate.

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O Veneno Está Na Mesa – Um filme de Silvio Tendler

Sinopse

O Brasil é o país do mundo que mais consome agrotóxicos: 5,2 litros/ano por habitante. Muitos desses herbicidas, fungicidas e pesticidas que consumimos estão proibidos em quase todo mundo pelo risco que representam à saúde pública.

O perigo é tanto para os trabalhadores, que manipulam os venenos, quanto para os cidadãos, que consumem os produtos agrícolas. Só quem lucra são as transnacionais que fabricam os agrotóxicos. A idéia do filme é mostrar à população como estamos nos alimentando mal e perigosamente, por conta de um modelo agrário perverso, baseado no agronegócio.

Um filme do grande cineasta e documentarista Silvio Tendler.

Publicado em: O Veneno está na mesa – YouTube.

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Carta de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina) e do projeto estratégico defendido por elas

É preciso considerar que vem se conformando uma ampla aliança política, consolidando um consenso que envolve as principais centrais sindicais e partidos políticos, MST, MTD, Via Campesina, Consulta Popular, em torno de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, subordinado às linhas políticas do Governo, conformando assim uma esquerda pró-capital. Por 51 signatários

 

Primavera de 2011

carta-7Dentro dos limites de um documento como este, pretendemos esclarecer quais os motivos que nos levaram a tomar a decisão da saída, fazer uma análise do contexto histórico em que ocorre esta decisão e, com base nestes dois aspectos, fazer um diálogo franco com a militância.

São tempos de aparente melhoria das condições de vida da classe trabalhadora no Brasil, pelo menos até à próxima crise. Mas será que está tudo tão bem assim? O resultado do desenvolvimento e crescimento econômico dos últimos anos são migalhas para os trabalhadores e lucros gigantescos para o capital: aumenta a concentração da terra, os trabalhadores se endividam, intensifica-se a precarização do trabalho e a flexibilização de direitos, garantidos pela violência do aparelho repressivo do Estado.

Isto tem sido sustentado por um pacto de colaboração de classes, feito pelas organizações que representam os trabalhadores com o objetivo de contê-los.

O processo histórico que nos produziu

Dois acontecimentos são fundamentais para analisarmos a situação das atuais organizações de esquerda no Brasil: o impacto da queda do muro de Berlim, tão determinante quanto foi a referência da Revolução Russa no século passado, e a reestruturação produtiva do capital.

Nas décadas de 1950 e 60, a principal concepção da esquerda afirmava que para superar o capitalismo no país era fundamental completar o seu desenvolvimento. A ditadura militar interrompe estas lutas, que são retomadas nas décadas de 1970 e 80, diante de uma grande crise para a qual o regime militar não encontrou saída. Ressurgem greves, oposições sindicais e ocupações de terra num novo caráter, mas trazendo em boa medida heranças da estratégia do ciclo anterior.

carta-3A CUT e o PT surgem nesse período, questionando o capitalismo e colocando o socialismo no horizonte. Dentro da mesma estratégia, surge logo depois o MST, lutando contra a concentração de terras, pela Reforma Agrária e o Socialismo. Neste período, qualquer luta de caráter popular ou democrático se transformava numa luta contra a ordem, devido ao limite imposto pela ditadura militar.

Baseada na análise de que o capitalismo no Brasil era dependente dos países centrais, tendo como inimigo principal o capital internacional, e uma burguesia comprometida com as oligarquias rurais, que não realizou as tarefas típicas de uma revolução burguesa clássica (“tarefas em atraso”), esse bloco histórico construiu uma estratégia: o Projeto Democrático e Popular. Os trabalhadores organizados e em luta deveriam realizar essas reformas, utilizando a via eleitoral como acúmulo de forças para chegar ao Socialismo.

O PT se construiu como pólo aglutinador desse projeto, junto com outras organizações. As organizações de massa na cidade e no campo – CUT e MST – deveriam cumprir o papel de organizar e desenvolver estas lutas.

Ao crescerem e se desenvolverem, organizações que tinham na sua origem uma postura combativa e táticas radicais (como PT, CUT e MST) vão obtendo vitórias importantes, sobretudo conquistando espaços institucionais, mas também sindicatos, terras, escolas, cooperativas de produção, cooperativas de crédito, convênios com governos, políticas públicas e compensatórias. À medida que cresceram essas organizações, a luta institucional e os espaços institucionais tornaram-se centrais.

Neste cenário surge a Consulta Popular, criticando o PT por ter colocado a centralidade na luta institucional e eleitoral e cada vez menos nas lutas de massas. A CP se apresenta como alternativa na luta por uma Revolução Socialista. Surge também o MTD, a partir da Consulta Popular, inspirado no exemplo do MST, com a tarefa de ser uma ferramenta de luta e organização urbana.

As contradições desse processo

Agora nossas organizações, cada uma a seu tempo e não sem contradições, estão dependentes do capital e seu Estado. As lutas de enfrentamento passaram a ameaçar as alianças políticas do pacto de classes, necessárias para manter os grandes aparelhos que conquistamos e construímos. O que em algum momento nos permitiu resistir e crescer se desenvolveu de tal maneira que se descolou da necessidade das famílias e da luta, adquirindo vida própria. O que viabilizou a luta hoje se vê ameaçado por ela: o que antes impulsionava a luta passa a contê-la.

O MST, até às eleições de 2002, caminhou desenvolvendo suas lutas e enfrentando grandes contradições relacionadas à hegemonia do agronegócio no campo. Nas últimas décadas, houve uma reformulação do papel do Brasil na divisão internacional do trabalho a partir da reestruturação produtiva do capital. O agronegócio promoveu no campo brasileiro mudanças estruturais, integrando latifúndio e indústria sob nova perspectiva de produtividade e o trabalho sob nova ótica de exploração. Este modelo inviabiliza a Reforma Agrária como possibilidade de organização produtiva dos trabalhadores para o campo brasileiro nos marcos do capital.

Com a expansão e o fortalecimento do agronegócio, evidenciaram-se os vínculos dos governos do PT com os setores estratégicos da classe dominante. Alguns elementos confirmam esta análise: a desigualdade de investimentos entre agronegócio e reforma agrária, a aprovação das sementes transgênicas, a expansão da fronteira agrícola e com isso a legalização da grilagem nas terras de até 1500 hectares, a permanência dos atuais índices de produtividade e as recentes alterações no novo código florestal. Nesse sentido, enfrentar as forças do agronegócio seria uma crítica direta ao governo petista, colocando por terra a tese do “governo em disputa”.

carta-5Essas transformações ocorridas no campo influenciaram nas formas de organização da vida material de nossa base, cada vez mais proletarizada, exigindo novas formas de organização e luta, que poderiam nos levar a outro patamar. Como opção de enfrentamento a esta realidade, o MST, contraditoriamente, segue idealizando o “camponês autônomo” e os “territórios livres”. Ao mesmo tempo, pactua com segmentos do proletariado rural, como CUT, Contag e Fetraf, com o objetivo de acumular forças contra o agronegócio.

A questão que se coloca é: estas opções nos levarão a outro patamar de luta e organização para enfrentar o agronegócio, dado o grau de comprometimento destas organizações com a estratégia do Governo e do capital?

O MTD, no último período, se reduziu a reivindicar políticas compensatórias, como as Frentes de Trabalho ou Pontos Populares de Trabalho, fechando os olhos para a nova realidade do aumento de empregos e suas contradições. Mesmo quando colocado o desafio da organização sindical, ela não foi implementada, para não ameaçar as atuais alianças políticas e a sobrevivência imediata, reduzindo a pauta à reivindicação de programas de governo para qualificação profissional.

Ao abandonar as lutas de enfrentamento, embora sigamos fazendo mobilizações, nossas lutas passaram a servir para movimentar a massa dentro dos limites da ordem e para ampliar projetos assistencialistas dos governos, legitimando-os e fortalecendo-os. Agora o que as organizações necessitam é de administradores, técnicos e burocratas; e não de militantes que exponham as contradições e impulsionem a luta.

Não é de hoje que existem críticas ao rumo que tomaram estas organizações, não só externas, mas sobretudo críticas elaboradas internamente. E este processo não ocorreu sem resistências por parte da base, militantes e alguns dirigentes. As ações de enfrentamento ao capital que marcaram o último período expressam esse conflito, por exemplo: as ações contra a Vale no Pará, a ação de destruição da Cooperativa de Crédito (Crenhor) no RS e as ações das mulheres no 8 de março em diferentes estados.

Este último processo impulsionou um debate profundo sobre a relação entre o patriarcado e capitalismo, rompendo o limite da questão de gênero e da participação das mulheres nas organizações, e propondo o feminismo e o socialismo juntos como estratégia de emancipação da classe. Todas essas ações sofreram severas críticas internas e passaram a ser boicotadas política e financeiramente.

Estamos há anos fazendo lutas dessa natureza e elaborando essa crítica nas mais diferentes instâncias dos movimentos, e como essas ações não tiveram força nem de provocar o debate da estratégia, quanto menos modificá-la, acabaram por legitimar o rumo das organizações.

Mudança de rumo ou continuidade do projeto estratégico?

A questão fundamental para nós não é só criticar a burocratização, institucionalização, o abandono das lutas de enfrentamento, a política de alianças, que aparecem como um problema nas organizações, mas sim identificar o processo que levou estas organizações políticas a assumirem essa postura. A crítica restrita ao resultado leva a refundar o mesmo processo, cometendo os mesmos erros.

O problema em questão não é que houve uma traição da direção ou um abandono/rebaixamento do projeto político; um erro na escolha das táticas ou dos aliados. A questão fundamental é a contradição entre o objetivo e os caminhos escolhidos para atingir tais objetivos: propúnhamos o Socialismo como objetivo, mas o projeto estratégico que traçamos ou ajudamos a trilhar não nos leva a esse objetivo.

carta-6Tal estratégia política não é nova na luta de classes: sua origem está na social-democracia européia de há mais de um século, adaptada às condições históricas do Brasil numa versão rebaixada, que foi reproduzida nas últimas décadas pelo PT e CUT e recentemente por MST/Via Campesina, MTD e CP. Atualmente, se apresenta na forma do Projeto Democrático Popular e Projeto Popular para o Brasil.

A Consulta Popular foi sendo construída negando a experiência do PT: não só porque o PT se transformara em partido eleitoral, mas também pelas conseqüências que essa transformação causou em sua forma organizativa. No entanto, a Consulta Popular não nega o Programa Democrático Popular, sua crítica se limita ao “rebaixamento” do Programa.

Para nós, este é um governo Democrático e Popular. Não da forma idealizada como querem alguns, mas com as concessões necessárias para uma ampla aliança. O PDP deu nisto. Nesse sentido, nossas organizações foram vitoriosas quanto ao que se propuseram. E nós contribuímos com este processo, no entanto hoje percebemos que esta estratégia não leva ao Socialismo, ao contrário, transforma as organizações da classe em colaboradoras da expansão e acumulação do capital. O que se apresenta como uma vitória para nossas organizações, na perspectiva da luta de classe, é uma derrota.

Considerações finais

Diante desta crítica, concluímos que não seria coerente que em nome da luta continuássemos em nossas organizações, implementando um projeto de conciliação de classes.

Somos resultado deste processo histórico, nele constituímos nossa experiência de luta política e formação teórica, mesmo que em geral ativista e pragmática. A crítica no interior do pensamento socialista sempre cumpriu um papel revolucionário e por isto julgamos ser uma tarefa a produção de um pensamento crítico sobre este período de vida das nossas organizações e para isto a apropriação da teoria crítica marxista é urgente. Não podemos querer compreender profundamente nossas contradições dividindo as posições entre “reformistas e revolucionários”, entre “camponeses e urbanos” ou entre “socialistas já e socialistas nunca”, pois assim ajudamos a despolitizar o processo de reflexão.

É preciso considerar que vem se conformando uma ampla aliança política, consolidando um consenso que envolve as principais centrais sindicais e partidos políticos, MST, MTD, Via Campesina, Consulta Popular, em torno de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, subordinado às linhas políticas do Governo, conformando assim uma esquerda pró-capital. O grau de comprometimento a que chegamos com o capital e o Estado nos levam a concluir que esse processo não tem volta.

Esse alinhamento político não ocorre sem conseqüências: operam-se mudanças decisivas nas formas organizativas e no plano de lutas das organizações, na formação da consciência de seus militantes e na postura que a organização tomará no momento de ascenso. Neste momento, as “forças acumuladas” não atuarão na perspectiva de ruptura.

carta-1Compreender esta conformação da esquerda não significa afirmar a tese sobre o fim da história, e dizer que não há o que fazer. Ao contrário, é preciso atuar na fragmentação da classe para retomar seu movimento na perspectiva de ruptura. Nos propomos a permanecer com a classe, buscando construir a luta contra o capital, seu Estado, o patriarcado, por uma sociedade sem classes.

Compreendemos que não estão geradas as organizações do próximo período, assim como sabemos que não haverá nunca se não houver militantes com iniciativa e dispostos à construí-las.

Os combates que travamos, o trabalho de base, os processos organizativos nos ensinaram muito e nos tornaram o que somos hoje, nos ensinaram a lutar. Seguiremos a partir dessa experiência, aprofundando a crítica e procurando ir além do que nos produziu.

Aquele que conta ao povo falsas lendas revolucionárias, que o diverte com histórias sedutoras, é tão criminoso quanto o geógrafo que traça falsos mapas para os futuros navegadores
(Hippolyte Lissagaray – Comuna de Paris)
As Revoluções são impossíveis… até que se tornem inevitáveis.”

1. Ana Hanauer (MST e CP RS)
2. Bianca (MST RS)
3. Carmen Farias (MST SP)
4. Claudia Ávila (MST RS)
5. Claudia Camatti (MTD RS)
6. Claudio Weschenfelder (MPA SC)
7. Cleber (MTD RS)
8. Darlin (MTD RS)
9. Débora (MTD RS)
10. Eder (MST RS)
11. Ezequiel (MTD RS)
12. Fábio Henrique (MST SP)
13. Fernanda (MTD BSB)
14. Gilson (MST RS)
15. Greice (MTD RS)
16. Irma (MST RS)
17. João Campos (MST SP)
18. João Nélio (MST SP)
19. Jesus (MST RJ)
20. Juarez (MST RS)
21. Jussara (MST SP)
22. Letícia (MTD RS)
23. Lucianinha (MST RS)
24. Luís (MPA SC)
25. Marcia Merisse (MST SP)
26. Marcionei (MTD RS)
27. Maria Irany (MST AL)
28. Maurício do Amaral (MST SP)
29. Michel (MTD DF)
30. Micheline (MST RS)
31. Mila (MST e CP SC)
32. Neiva (MST RS)
33. Nina (MST e CP RS)
34. Oscar (MST RS)
35. Paulinho (MST SP)
36. Pedroso (MST RS)
37. Pincel (MST RS)
38. Portela (MTD RS)
39. Raquel (MST RS)
40. Ricardo Camatti (MTD RS)
41. Salete (MTD RS)
42. Socorro Lima (MST CE)
43. Soraia Soriano (MST SP)
44. Tatiana Oliveira (MST SP)
45. Telma (MST SP)
46. Telmo Moreira (MST RS)
47. Thiago (MTD BSB)
48. Valdir Nascimento (MST SP)
49. Vanderlei Moreira (MST CE)
50. Verinha (MST RS)
51. Zé da Mata (MST SP)

É importante ressaltar que alguns dos que assinam este documento já se afastaram ou foram expulsos das organizações de que faziam parte em 2009 e 2010 sem poderem expor seus motivos, o fazem agora nesta carta.

Publicado originalmente em: Carta de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina) e do projeto estratégico defendido por elas : Passa Palavra.

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A economia do fim do mundo

por Dal Marcondes*, da Envolverde

Movimentar a economia por meio do consumo foi uma decisão tomada após a Segunda Guerra Mundial, e serviu apenas para acelerar o uso e a degradação dos recursos naturais e econômicos do planeta.

Os Estados Unidos emergiram da Segunda Guerra Mundial como a única grande economia que não teve sua indústria arrasada por bombas. Um parque produtivo superdimensionado pela guerra, uma economia global em frangalhos e milhares de soldados voltando para casa. O que fazer para não voltar à situação de recessão anterior à guerra, quando hordas de desempregados vagavam em busca de trabalho e comida? A ideia, aparentemente genial, veio de um consultor norte-americano especializado em varejo, Victor Lebow, que viu na aceleração do ciclo de produção e consumo a saída para o impasse: “nossa economia enormemente produtiva … requer que façamos do consumo o nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso de mercadorias em rituais … que busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo … nós precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente”. E isso foi feito, a ponto de 99% dos produtos vendidos pelo comércio nos Estados Unidos já terem sido abandonados no fundo de armários ou gavetas, ou simplesmente descartados em apenas seis meses.

A economia do consumo substituiu a “economia do abastecimento”, onde as pessoas compravam aquilo que precisavam e a ideia central era vender mais, para mais pessoas. Nossos avós compravam coisas duráveis para poderem se dedicar a outras atividades e não terem de retornar sempre às compras para repor coisas cuja obsolescência foi planejada em um laboratório. “Da mesma forma que se planejou a sociedade de consumo, é preciso planejar que tipo de economia vai desconstruir essa armadilha onde nos metemos”, explica o economista Ladislau Dowbor. Há diagnósticos realizados e metas estabelecidas sobre o que há de errado com o modelo econômico atual, que mantém cerca de um terço da humanidade sem acesso a direitos universais como educação, água e saneamento, alimentos e habitação, entre outros. No entanto, há uma crônica falta de planejamento sobre como mudar a produção e o consumo em direção a uma economia de baixo impacto ambiental e dentro das metas nacional e global de redução de emissões de carbono.

Não há dúvida que a economia deu grandes saltos nestes 50 anos, com o desenvolvimento de tecnologias e materiais extremamente avançados. No entanto, as curvas de crescimento da população, do Produto Interno Bruto, da extinção de espécies, do uso de combustíveis fósseis, da redução de florestas e da sobrepesca mostram que os níveis de exploração do planeta e os impactos causados pelas atividades humanas vêm crescendo de forma exponencial nos últimos 50 anos (ver gráfico 1). E isto está acontecendo apesar do aumento da eficiência no uso de materiais e energia no mesmo período. Os carros dirigidos por nossos avós continham mais materiais (eram mais pesados) e consumiam mais combustível do que qualquer outro nas ruas de hoje. Porém, volume de combustível utilizado hoje pela humanidade é centenas de vezes maior do que 50 anos atrás. “A ecoeficiência na produção tem caminhado a passos largos, mas o modelo de economia baseado no ciclo de aceleração do consumo e descarte apenas aumenta o impacto sobre os ecossistemas e não reduz as desigualdades sociais”, explica Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia da USP.

Nos anos 1950, a diferença de salários entre um operário da General Motors e seu presidente era cerca de 50 vezes. Hoje, em grande parte das empresas globais essa diferença entre chão de fábrica e alta direção pode atingir quase mil vezes. Para modificar esse quadro é necessário o planejamento do uso dos recursos naturais e energéticos de forma a definir onde se quer chegar. “Algumas pessoas diriam que isso é socialismo”, diz Luiz Pinguelli Rosa, cientista e diretor da Coppe, órgão ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais respeitados centros de pesquisa em engenharia da América Latina. Pinguelli Rosa explica que a área de energia precisa de um planejamento com décadas de antecedência para evitar apagões. “Os investimentos são altos e os projetos demoram para entrar em operação”. Por isto, planejar é fundamental, mas o mesmo não acontece com outras áreas da economia. “Muita coisa é deixada para a vontade do mercado”, diz o pesquisador. O mercado, no entanto, não tem um visão de futuro, apenas busca soluções para manter sua diretriz de crescimento em um planeta com recursos naturais finitos. “Essa filosofia de crescer por crescer só tem um paralelo na natureza, o câncer”, explica Ladislau Dowbor.

A desigualdade na distribuição dos benefícios entre a humanidade é gritante. Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6% da renda, e essa disparidade vem crescendo. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes maior do que a renda dos 20% mais pobres. Em 1989, essa diferença havia subido para 140 vezes. Para Dowbor, este é o problema central a ser atacado, e fazer a economia crescer não passa nem perto de solucionar o problema ético da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas. “Não haverá tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em função de um terço da população mundial”, afirma.

Um dado importante, levantado por Ricardo Young, empresário e ex-presidente do Instituto Ethos, organização que atua em responsabilidade socioambiental empresarial, é que já há mudanças em curso na economia. “Porém, não são uniformes”, alerta. Para ele muitas empresas e governos estão não apenas preocupados, mas atuando para reverter o quadro de degradação econômica e ambiental. “É o caso do Brasil, que está conseguindo ampliar a renda nas classes mais baixas e, também, vem exercendo uma liderança global em temas  ambientais, como as metas que o governo assumiu em relação às mudanças climáticas”, explica. Young alerta que é preciso saber identificar os movimentos na sociedade, que buscam uma nova organização da economia, mais criativa, com menor impacto ambiental e maior benefício social. E esta tendência não está sendo identificada apenas por militantes sociais ou economistas otimistas. Um estudo publicado pela revista inglesa The Economist concluiu que a ascensão das mulheres na sociedade nos últimos dez anos contribuiu mais para o crescimento global da economia do que o desenvolvimento da China. Essa percepção levou a agência Goldman Sachs a indicar que diversas regiões do mundo poderiam aumentar seu PIB se reduzissem as desigualdades nas taxas de emprego de homens e mulheres. O Brasil poderia se beneficiar ainda mais desse movimento de equilíbrio entre os gêneros no trabalho. Desde os anos 1970, essa inclusão vem avançando. Naquela época, as mulheres representavam 20% dos trabalhadores do país, passando a 44% no final da primeira década do Século 21. Registre-se ainda que 35% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres.

O Brasil atualmente vive uma grande oportunidade para planejar seu desenvolvimento com base em questões bastante objetivas, como os investimentos superiores a R$ 500 bilhões que estão em andamento em todo o país por conta dos grandes eventos esportivos dos próximos anos, as Olimpíadas do Rio de Janeiro, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de Futebol. Entretanto, é preciso integrar os esforços e mostrar uma certa lógica na direção dos benefícios desejados, como melhorar a mobilidade nas cidades e redirecionar esforços para uma sociedade que esteja estruturada em uma economia menos baseada em consumo e exportação de commodities, e mais focada em desenvolver vetores como cultura, turismo, biociência, educação e conhecimento. No entanto, o país tem adotado nos últimos anos a mesma ortodoxia econômica com que o mundo tenta enfrentar a sucessão de crises que assola o planeta desde 2008, estimulando o aumento do consumo sem exigir contrapartidas da indústria ou do sistema financeiro. “O momento é especial para uma troca de gentilezas, o governo estimula o consumo, mas deveria exigir mais eficiência no uso de energias e matérias-primas”, explica o também economista Ignacy Sachs, que preconiza a necessidade de planejamento para adequar o modelo econômico à realidade do Século 21. Nas relações com o mundo, entre 1998 e 2008 as exportações brasileiras de commodities passaram de 20% para 35% do comércio exterior. Se por um lado isso elevou as reservas internacionais do país, por outro barateou as importações e desestimulou a indústria local, além do impacto sobre áreas naturais para a ampliação na produção dessas commodities.

Segundo o diretor-geral do Programa de Meio Ambiente da ONU (Pnuma), Achim Steiner, o consumo global chegou a nove toneladas anuais de matérias-primas por pessoa na Terra, e isso para os atuais sete bilhões de habitantes. Em um planeta com nove bilhões de pessoas, o consumo per capita não poderá ficar acima de cinco ou seis toneladas por habitante. Outra questão importante é o consumo de energia por habitante, que segundo o Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU deveria ser limitado a 70 gigajaules por anos. Trocando em miúdos, isto significa que um europeu médio teria de cortar pela metade seu consumo de energia, enquanto um norte-americano poderia utilizar apenas 25% do que gasta atualmente. Já um indiano poderia multiplicar por quatro os 15 gigajaules que utiliza. O Brasil está no meio termo, com cerca de 50 gigajaules por ano por pessoa. Contudo, há que se levar em conta a desigualdade e o desequilíbrio no uso dessa energia.

O mundo vive atualmente uma confluência de crises, onde o desequilíbrio financeiro, ambiental e social oferece oportunidades para a construção de novos pontos de apoio. E a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontece em junho do ano que vem, pode ser um ponto de partida importante para esta estratégia. O jornalista e ambientalista Aron Belinky, que atua na articulação de demandas da sociedade civil para o evento, explica que empresas e organizações sociais estão mais avançadas do que governos na busca de soluções. “Temos de entender que a questão não é ambiental, como alguns acreditam, mas de modelo de desenvolvimento e de governança global”, explica. Para ele, os governos devem assumir compromissos para planejar uma saída dessa encruzilhada, que olhe para o futuro e entenda que há limites que precisam ser encarados e respeitados. Porém, lembra que isto não significa a estagnação, mas sim um modelo de desenvolvimento focado em valores éticos e criativos, onde as pessoas possam ter acesso aos seus direitos universais nesta e em todas as gerações futuras. (Envolverde)

Gráfico 1 – Todos os indicadores de crescimento e consumo estão fora da escala.

grafico1 A economia do fim do mundo

Gráfico 2 – Em 50 anos o consumo de todas as fontes de energia cresceu.

grafico2 A economia do fim do mundo
* Dal Marcondes é jornalista e já foi editor de economia e finanças de diversos grandes meios de comunicação.

Publicado originalmente em: A economia do fim do mundo – Envolverde.

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Corrupção causa distribuição desigual e má gestão de recursos da terra, mostra FAO

por Redação ONU Brasil

e51 300x178 Corrupção causa distribuição desigual e má gestão de recursos da terra, mostra FAO

 

 

 

 

 

A corrupção dos países em desenvolvimento leva a uma distribuição desigual de terras e à má gestão de recursos agrícolas, segundo novo relatório “Corrupção no Setor Rural”, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em parceria com a organização não governamental Transparência Internacional.

De acordo com o documento divulgado na segunda-feira (12/12), a fraca governança dos 61 países estudados é resultado da falta de transparência, de responsabilidade e do Estado de Direito. Esta fraqueza aumenta a corrupção e intensifica as pressões sobre a terra, a agricultura e a segurança alimentar no mundo. Uma das principais indústrias destacadas pela corrupção foi a do biodiesel.

“Os resultados do estudo são reflexo do que estamos escutando há anos de agricultores, pecuaristas, investidores, governantes e membros de ONGs”, afirmou o diretor-geral adjunto para Recursos Naturais da FAO, Alexander Mueller.

“Quando transparência e responsabilidade estão ausentes, o risco de corrupção cresce e ameaça fazer da terra uma ferramenta de alienação de pessoas comuns. Como resultado, elas perdem os benefícios culturais e econômicos de seus recursos da terra”, complementou o presidente da Transparência Internacional em Zâmbia, Rueben Lifuka.

* Publicado originalmente no site Agência ONU.

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